sábado, 28 de novembro de 2009

DO JORNAL - MUNDO JOVEM

O direito humano de viver


Para que organizar uma sociedade, formar um estado, ser um país, se os seus cidadãos não têm garantido nem o direito básico de viver? O estado tem obrigação de assegurar, a todos os seus membros, direitos fundamentais como trabalho digno, casa, alimento, terra, água, informação, saúde e participação política. Na realidade atual, apesar dos avanços, estes direitos humanos fundamentais são negados à grande parcela de brasileiros que não tem acesso a bens essenciais da vida.

A maioria das pessoas enfrenta uma vida cheia de ameaças: desemprego, violência, pobreza, desestruturação familiar... E pressente um futuro incerto. Muitas vidas são interrompidas por incompetências, negligências e omissões. E a interrupção da vida antes da hora é sempre uma injustiça que afeta a dignidade humana. O escritor João Cabral de Melo Neto contava o drama da “vida severina”, interrompida “de emboscada antes dos 20, de velhice antes dos 30, de fome um pouco por dia”.

Este é um problema fundamental, porque enquanto a exclusão social não for vista como um desafio emergencial, não se fará o necessário para criar uma sociedade inclusiva, onde caibam todos. A insensibilidade diante do sofrimento dos pobres revela uma crise espiritual e ética. Vivemos em um mundo desumano, como desumana é a condição em que sobrevivem as pessoas excluídas e como desumana também é a postura dos que são insensíveis e até mesmo agressivos com essas pessoas. Diminuir a insensibilidade social e construir uma sociedade inclusiva deve ser uma atitude básica de todas as religiões no mundo de hoje.

O caminho da utopia e da fé

Uma lição importante que aprendemos da biologia moderna é que a vida constitui essencialmente um projeto; é um movimento rumo ao futuro. Os indivíduos ou sociedades que perdem o interesse pela sua projeção no amanhã já se encontram no caminho da morte. “O que distingue o ser humano de outros bichos é o projeto. Se não houver utopia, não há ser humano”, disse o pensador Milton Santos (Zero Hora, 10 de abril de 1996).

O Deus bíblico é o Deus da fé. Ele orienta o seu povo no caminho da esperança, apesar das dificuldades. O caminho de Deus se define como partida, saída, movimento, êxodo... Abraão tem que deixar a sua casa, sair de sua terra para aventurar-se por um país estrangeiro e desconhecido (Gn 12, 1-9). A história de Abraão está diretamente ligada à história de toda a humanidade. Com ele começa a surgir o embrião de um povo que terá a missão de trazer a bênção de Deus para todas as nações da terra.

O caminho da fé é sempre situado na história dentro da complexidade e dos conflitos humanos. O que Deus promete a Abraão é tudo aquilo que um nômade de seu tempo desejava: terra para os rebanhos e filhos para cuidar deles. Em outras palavras, o que Deus promete é exatamente aquilo que o ser humano aspira para responder às suas necessidades vitais.

Ter demais ou ter de menos

Hoje, a necessidade de uma melhor distribuição de renda baseia-se na questão óbvia de que existem pessoas que têm demais ou mais do que precisam, enquanto existem muitos que não têm o necessário para viver dignamente. No entanto a questão torna-se mais complicada quando buscamos um critério para dizer que alguém tem de mais e que outro tem muito pouco. Para o teólogo Jung Mo Sung, essa dificuldade aumenta na medida em que não se faz uma distinção entre necessidades e desejos humanos. Para Jung, os desejos são sempre infinitos e nunca serão satisfeitos por completo. Mas a sua realização não significa uma questão de vida ou morte. Já as necessidades, quando não satisfeitas, impossibilitam a vida humana.

Diante de uma sociedade que propõe a satisfação do desejo de alguns e a morte de muitos, defender a vida é caminhar na contramão de tudo que nos diminui como seres humanos. Andar na contramão é construir um estilo de vida diferente dos modelos que o mercado impõe. É abandonar a idéia de que nos tornamos mais humanos à medida que adquirimos as mercadorias desejadas. É preciso fazer despertar para a solidariedade como condição de resgate da dignidade humana.

A solidariedade, porém, não pode ser assumida apenas como uma atitude eventual, em alguma campanha do agasalho, por exemplo, mas como princípio estruturador de toda a vida pessoal, que possibilita alguém interiorizar as necessidades dos outros como algo essencial para si mesmo(a). Dizia Mahatma Gandhi: “Lembre-se das pessoas mais pobres que você conhece, dos seres que você já viu mais abandonados. Pergunte se o ato que você planeja ou o seu modo de viver é de algum modo proveitoso para essas pessoas. Se for, através destes atos, você encontrará Deus”.

Texto publicado no jornal Mundo Jovem, edição nº 390, setembro de 2008, página 9.

Questões para debate:

1) As religiões devem se preocupar com os mais necessitados? Por quê?
2) O que significa, na prática, fazer uma distinção entre desejos e necessidades?
3) Qual é a utopia ou o tipo de sociedade que a minha religião propõe construir?

Rui Antônio de Souza,
da equipe do jornal Mundo Jovem.

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