domingo, 4 de abril de 2010

—LEITURA ILUSTRATIVA
Numa aldeia vietnamita, um orfanato dirigido por um grupo de missionários foi atingido por um bombardeio. Os missionários e duas crianças tiveram morte imediata e as restantes ficaram gravemente feridas. Entre elas, uma menina de oito anos ficou em estado grave. Foi necessário chamar ajuda por um rádio. Depois de algum tempo, um médico e uma enfermeira da marinha dos EUA chegaram ao local.
Teriam que agir rapidamente, senão a menina morreria devido aos traumatismos e à perda de sangue. Era preciso, urgentemente. fazer uma transfusão. Mas como? Após alguns testes rápidos com o próprio pessoal da equipe de socorro, puderam perceber que ninguém ali possuía o sangue preciso.
Reuniram, então, o povo da aldeia e tentaram explicar o que estava acontecendo, gesticulando, arranhando o idioma, que era muito difícil para eles. Queriam dizer que precisavam de um voluntário para doar sangue.
Depois de um silêncio sepulcral, viu-se um braço magrinho levantar-se timidamente. Era de um menino chama do Cheng. Ele foi preparado às pressas ao lado da menina agonizante e espetaram-lhe uma agulha na veia. Ele se mantinha quietinho e com o olhar fixo no teto.
Passado algum momento, Cheng deixou escapar um soluço e tapou o rosto com a mão que estava livre. O médico perguntou a ele se estava doendo e ele disse que não. Mas não demorou muito a soluçar de novo, contendo as lágrimas. O médico ficou preocupado e voltou a lhe perguntar, e novamente ele negou. Os soluços ocasionais deram lugar a um choro silencioso, mas ininterrupto. Era evidente que alguma coisa estava errada. Foi então que apareceu uma enfermeira vietnamita vinda de outra aldeia. O médico, então, pediu que ela procurasse saber o que estava acontecendo com Cheng. Com a voz meiga e doce, a enfermeira foi conversando com ele e explicando algumas coisas, e o rostinho do menino foi se aliviando... Minutos depois ele estava novamente tranqüilo. A enfermeira então explicou aos americanos:
— Ele pensou que ia morrer. Não tinha entendido direito o que vocês disseram e estava achando que ia ter que
Dar todo o seu sangue para a menina não morrer.

O médico se aproximou dele e com a ajuda da enfermeira perguntou:
— Mas se era assim, por que então você se ofereceu para doar seu sangue?
E o menino respondeu simplesmente:
— Ela é minha amiga.

Esta história foi colhida na Internet, no endereço: www.sili.com.br/anjos

AMIZADE


LEITURA LITERÁRIA

Delicadas, as amizades
Alfonso Romano de Sant'Ana

"Pode-se dizer tudo o que se pensa a um amigo?"

"Quanto de verdade suporta um amigo?"

"Aliás, o que é a verdade?", já indagava Pilatos antes de crucificar o outro.
"Como combinar, articular, fazer coabitar a verdade
nossa com a verdade do amigo?"

São muito delicados os amigos. Ou se quiserem, as amizades. São delicadíssimas. E é por isso que convém aceitar que cada amizade tem suas fragilidades.
Bom, se o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, então, melhor seria que de diamante fosse. Este, inquebrantável. Mas amizade convenhamos, é coisa humanamente frágil. E a gente pensa que ela está aí para sempre. Mas não tem a durabilidade centenária das sequóias, que ficam se alongando e nos ofertando sombra acima de tudo. Às vezes, as amizades são essas orquídeas carentes de um tronco alheio onde se alimentar e florescer.
A gente pensa que amizade é coisa só de seres humanos. Não é. Os animais curtem amizades; alguns, o amor, e outros chegam à paixão extrema por seus donos. E, no entanto, amigos, alguns cães se mordem, quase arrancam as orelhas num ou noutro embate, às vezes por uma cadela no cio, às vezes por nada.
Pode-se perder uma amizade por excesso de zelo, como se ao esfregar demais o tecido o rompêssemos. Cuidado, portanto, com o excesso, às vezes excessivo. Claro, também se perde amigo pela escassez de socorro ou de sinalizações afetivas. Também pela fala mal desferida. Ou mal ouvida. A gente fala ou escreve uma coisa, o outro ouve outra coisa. Se não der para desentortar a frase ou o ouvido alheio, a amizade fica torta.
Diz o apóstolo Paulo que o amor tudo suporta, tudo espera, tudo perdoa.
— Será assim a amizade?
Até hoje não ficou muito clara a diferença entre amor & amizade. Mesmo porque muito amor termina se metamorfoseando sem amizade; uma amizade pode virar amor e pudemos inimizar a quem amamos e nos esforçamos por ser amigo de quem nos despreza. De resto, para matizar ainda mais as coisas, os franceses costumam falar de "amizade amorosa", algo parecido com que aqui há tempos se chamou de "amizade colorida".
Mas o que fazer quando algo nos incomoda no outro e a gente sente que, se não falar, a amizade vai começar a ratear?
Não há amizade assim solta no ar. Cada amizade tem sua usança e sua pertinência.
Deveríamos então criar um manual, algo assim como "Amizade, modo de usar?". Ah, sim! Mas isso já existe, está lá naquele best—seller Conto fazer amigos e influenciar pessoas.
(...)
Delicadas, as amizades. Uns porque se aproximando do poder esquecem os que no poder não estão. Neste caso não se pode nada. Outros porque viajam de formas várias e absolutamente impenetráveis ao redor do próprio umbigo.
Retornarão algum dia?
Nesse caso, como dizia Neruda, os de então já não seremos os mesmos.
Há vocacionados para amizade. Têm um dom natural.
Árvores copadas onde se reúne o rebanho. Quando você vê, está todo mundo ali ouvindo, curtindo ou simplesmente estando.
Qual o grau de resistência de uma amizade?

De um metal podemos dizer: derrete-se a tal ou qual temperatura.
São delicadas, as amizades. E mesmo as mais sólidas às vezes se desmancham no ar.


SANT'ANNA. Affonso Romano A vida por viver Rio de
Janeiro: Editora R0CO. 1997, p.14-16.